Montanha de roupas

Tecidos e Compostagem: o que pode voltar à terra?

Muitos de nós já sabemos que restos de frutas, verduras, cascas e folhas secas podem ser compostados. Mas quando olhamos para um pedaço de roupa velha, uma toalha desgastada ou um retalho de tecido, surge a dúvida: será que tecidos também podem ser compostados?

Essa é uma questão importante, especialmente num mundo onde a indústria têxtil se tornou uma das mais poluentes do planeta. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU, 2019), o setor da moda é responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono e produz 20% das águas residuais do mundo. Por isso, pensar em como reinserir os resíduos têxteis nos ciclos naturais é fundamental.

A relação entre tecidos e o meio ambiente

Os tecidos que usamos nas roupas são feitos de fibras, e essas fibras podem ter origem natural (como o algodão, o linho, a seda e a lã) ou sintética (como o poliéster, o náilon e o acrílico). Essa diferença na origem das fibras define o destino dos resíduos após o descarte.

As fibras naturais são de origem vegetal ou animal e, portanto, biodegradáveis. Isso significa que podem ser decompostas por fungos, bactérias e outros microrganismos, transformando-se novamente em matéria orgânica. Já as fibras sintéticas são derivadas do petróleo e não se decompõem facilmente, permanecendo por décadas no ambiente e gerando microplásticos, partículas que contaminam o solo, a água e até os alimentos.

Segundo Fletcher e Tham (2019, p. 45), “a moda contemporânea precisa olhar para além do ciclo de consumo e começar a considerar o ciclo biológico dos materiais, entendendo que o fim de uma roupa também faz parte do seu design”. Essa reflexão é essencial quando falamos em compostagem de tecidos.

Tecidos que podem ser compostados

Para que um tecido possa ser compostado, ele deve ser 100% natural e livre de substâncias químicas tóxicas. Isso significa evitar tecidos tingidos com corantes sintéticos, impermeabilizados, resinados ou misturados a fibras plásticas (como elastano, poliéster ou náilon).

• O algodão cru: uma fibra amiga da terra

O algodão cru 100%, sem tingimentos artificiais e sem tratamentos químicos, é um dos poucos tecidos que podem ser compostados com segurança. Ele é composto quase inteiramente por celulose, uma molécula orgânica que é facilmente degradada pelos microrganismos presentes na compostagem.

Um estudo da Universidade da Califórnia (Rockwell, 1992 apud UC Davis, 2021) constatou que fibras de algodão enterradas em solo úmido se decompõem mais rapidamente do que fibras sintéticas, mesmo em ambientes com pouco oxigênio. Isso acontece porque a celulose é um composto natural que os microrganismos reconhecem e conseguem digerir, transformando-o em húmus, água e dióxido de carbono.

Durante o processo de compostagem, o algodão cru sofre um processo semelhante ao das folhas secas ou restos de papel. Ele se fragmenta aos poucos, escurece, e em alguns meses praticamente desaparece, restando apenas nutrientes no solo. Para acelerar o processo, é recomendado cortar o tecido em pedaços pequenos antes de colocá-lo na composteira.

De acordo com o portal CottonWorks (2020), em condições ideais de compostagem, tecidos de algodão puro apresentaram redução de até 80% do seu peso em apenas 90 dias, mostrando-se totalmente biodegradáveis.

Tecidos naturais mistos

Tecidos de linho, cânhamo e seda também podem ser compostados, desde que estejam livres de tinturas químicas e aditivos industriais. No entanto, é importante lembrar que mesmo os tecidos naturais podem receber tratamentos que dificultam sua decomposição, como branqueamento, engomagem ou aplicação de resinas sintéticas.

Esses processos criam uma barreira que impede a ação dos microrganismos. Por isso, quanto mais cru e natural for o tecido, melhor ele se comportará na compostagem.

Tecidos que não podem ser compostados

• O caso do poliéster

O poliéster é o tecido mais produzido no mundo, presente em cerca de 60% das roupas vendidas globalmente. Ele é feito de polímeros derivados do petróleo, o que o torna não biodegradável em condições naturais. Quando descartado, o poliéster pode permanecer mais de 400 anos no meio ambiente antes de se decompor.

Além disso, durante a lavagem das roupas, o poliéster libera microfibras plásticas que chegam aos oceanos e são ingeridas por peixes e outros animais marinhos. Essas microfibras acabam retornando à cadeia alimentar humana.

Nos últimos anos, algumas empresas têm desenvolvido versões de poliéster compostável, com aditivos que permitem sua degradação em composteiras industriais. Um exemplo é a fibra Celys, desenvolvida pela empresa australiana Intimiti, que alcançou 95,4% de decomposição em 179 dias em condições industriais controladas (INTIMITI AUSTRALIA, 2024). Porém, esse tipo de material ainda não é comum no mercado e requer infraestrutura específica.

• O náilon e sua resistência

O náilon, também conhecido como poliamida, é outro polímero sintético derivado do petróleo. É amplamente usado em meias, roupas íntimas e esportivas. Embora seja resistente e durável, essas mesmas características fazem com que ele praticamente não se decomponha em ambientes naturais.

Pesquisas indicam que o náilon pode liberar microfibras tóxicas e manter-se intacto por séculos. Além disso, quando incinerado, libera gases como óxidos de nitrogênio, que contribuem para o aquecimento global (ERTEK, 2020).

Portanto, tanto o poliéster quanto o náilon devem ser evitados na compostagem, pois, além de não se decomporem, contaminam o composto e podem comprometer a qualidade do solo.

Como compostar tecidos de forma correta

Compostar tecidos naturais é uma forma prática e educativa de mostrar que o lixo pode voltar a ser vida. No entanto, o processo exige alguns cuidados.

A seguir, um passo a passo simples:

Passo 1 – Verifique a composição

Leia a etiqueta. O tecido precisa ser 100% natural (algodão, linho, cânhamo, lã, seda, etc.). Se houver misturas com poliéster, elastano, viscose sintética ou outros materiais, não coloque na composteira.

Passo 2 – Remova partes não orgânicas

Retire zíperes, botões, linhas sintéticas, etiquetas plásticas ou metálicas. Apenas o tecido puro deve ser colocado na compostagem.

Passo 3 – Corte em pedaços pequenos

O ideal é cortar o tecido em pedaços de 3 a 5 centímetros. Isso aumenta a área de contato com o ar e com os microrganismos, acelerando o processo de degradação.

Passo 4 – Misture com matéria orgânica

Misture os pedaços de tecido a restos de frutas, verduras, folhas secas e serragem, equilibrando o material “verde” (rico em nitrogênio) com o “marrom” (rico em carbono). O tecido de algodão funciona como fonte de carbono, como o papel e o papelão.

Passo 5 – Mantenha a umidade e aeração

O composto deve estar úmido, mas não encharcado. Mexa a pilha a cada 10 dias para permitir a entrada de oxigênio. A compostagem aeróbica é a mais indicada para tecidos naturais.

Passo 6 – Tempo de decomposição

Tecidos de algodão cru podem começar a se fragmentar em 30 dias, e decompor-se totalmente entre 3 e 6 meses, dependendo da temperatura, umidade e tamanho das fibras.

Passo 7 – Uso do composto

O composto final pode ser usado como adubo orgânico para hortas, jardins e vasos, desde que os tecidos não contenham corantes sintéticos ou substâncias químicas.

Compostagem de tecidos como ferramenta educativa

Mais do que uma solução para o descarte, a compostagem de tecidos pode ser uma ação educativa poderosa. Quando o consumidor compreende que suas roupas podem voltar à terra, ele passa a pensar de forma mais consciente sobre o consumo e o descarte.

Segundo Manzini e Vezzoli (2002, p. 74), “o design sustentável deve considerar o produto em todas as etapas do seu ciclo de vida, desde a extração da matéria-prima até o retorno ao ambiente natural”. Essa visão amplia o papel da moda para além da estética, conectando-a à responsabilidade ambiental.

Incorporar tecidos naturais e promover a compostagem é também uma forma de economia circular, onde nada se perde, apenas se transforma.

O papel da indústria e do consumidor

A indústria têxtil tem um papel fundamental na transição para práticas sustentáveis. Ela pode:

  • Priorizar fibras naturais e renováveis;
  • Evitar o uso de corantes tóxicos e acabamentos químicos;
  • Investir em tecnologias de biodegradação e reciclagem;
  • Oferecer transparência sobre a composição e origem dos tecidos.

Já o consumidor pode contribuir escolhendo roupas com fibras naturais, produzidas de forma ética, e descartando corretamente seus tecidos. Além disso, iniciativas como reuso criativo, upcycling e compostagem são formas práticas de reduzir o impacto ambiental.

Conclusão

Compostar tecidos é mais do que uma prática ambiental: é um gesto de reconexão com a natureza. Quando devolvemos à terra o que dela veio, completamos um ciclo que a indústria moderna tentou interromper.

Os tecidos 100% algodão cru são excelentes candidatos à compostagem, enquanto os sintéticos como poliéster e náilon devem ser evitados.
A conscientização sobre a composição das roupas, o incentivo à compostagem doméstica e o apoio a materiais sustentáveis podem transformar o modo como produzimos e consumimos moda.

Se quisermos um planeta mais limpo e saudável, precisamos repensar a moda do começo ao fim da fibra ao húmus.

A Autora Shaiane de Souza é formada em Ciências Ambientais, apaixonada por soluções criativas na Educação Ambiental e Voluntária da Realixo.

Quer descobrir quais tecidos realmente voltam à terra? Leia mais sobre compostagem e sustentabilidade no site da Realixo.

Referências:

COTTONWORKS. Cotton Compostability. North Carolina: Cotton Incorporated, 2020. Disponível em: https://cottonworks.com/cotton-sustainability/cotton-compostability/. Acesso em: 16 out. 2025.
ERTEK, B. Environmental Impacts of Synthetic Fibers: Nylon and Polyester. Istanbul: Textile Research Journal, 2020.
FLETCHER, K.; THAM, M. Earth Logic: Fashion Action Research Plan. Londres: The J.J. Charitable Trust, 2019.
INTIMITI AUSTRALIA. Celys: Taking the Environmental Pain out of Polyester. Sydney: Drapers Online, 2024. Disponível em: https://www.drapersonline.com/insight/the-industry-view/celys-taking-environmental-pain-out-of-polyester. Acesso em: 16 out. 2025.
MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EdUSP, 2002.
UC DAVIS. Composting Cotton: Degradation of Cotton Fibers in Soil Environments. California: University of California, Davis, 2021.


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