Quando adquirimos uma peça de roupa, é comum observar na etiqueta a descrição “80 % poliéster/ 20 % algodão” ou “100 % algodão”. Essa informação, que muitos ignoram, é uma das chaves para entender o impacto que essa peça causará no meio ambiente ao longo do seu ciclo de vida. A composição têxtil está diretamente relacionada à forma como a roupa será produzida, usada e, principalmente, como irá se decompor após o descarte.
Segundo Fletcher (2014), pioneira no conceito de “Slow Fashion”, cada material utilizado na indústria têxtil carrega uma história ecológica, desde a extração de suas matérias-primas até o fim de sua vida útil. Assim, compreender as composições é um passo essencial para reduzir os danos ambientais de um dos setores mais poluentes do planeta: a moda.
Degradação, decomposição e tempo de vida dos tecidos
Algodão e biodegradação
O algodão é uma fibra de origem vegetal composta basicamente por celulose. Isso significa que ele pode ser degradado por microrganismos em condições adequadas, semelhantes às que ocorrem na decomposição de folhas, galhos e outros resíduos orgânicos. Em ambientes com oxigênio e umidade, uma camiseta de algodão cru pode se decompor completamente em poucos meses, retornando ao ciclo natural sem deixar resíduos tóxicos.
Em contrapartida, quando o algodão passa por processos químicos intensos, como tingimentos e tratamentos sintéticos, sua capacidade de se decompor pode ser reduzida. Ainda assim, ele continua sendo uma das fibras mais biodegradáveis disponíveis no mercado (Morley, 2020). Além disso, tecidos 100 % algodão sem pigmentos artificiais podem ser compostados, contribuindo para a produção de húmus e o fechamento do ciclo orgânico.
Tecidos de algodão cru 100%, sem tingimentos químicos, sem estampas sintéticas e sem misturas com outras fibras (como poliéster ou elastano), podem ser colocados na compostagem. Eles são feitos de celulose vegetal, um material orgânico que se decompõe naturalmente pela ação de microrganismos, assim como folhas secas ou restos de frutas.
Fibras sintéticas e persistência ambiental
Já o poliéster, acrílico e o nylon são derivados do petróleo. Por serem polímeros sintéticos, essas fibras não são reconhecidas pelos microrganismos do solo e podem levar séculos para se decompor. Estima-se que uma peça de poliéster possa permanecer no meio ambiente por mais de 200 anos (Fletcher, 2014). Além disso, a lavagem de roupas sintéticas libera microplásticos que passam pelo sistema de esgoto e chegam aos oceanos, contaminando peixes e outros organismos marinhos.
Tecidos compostos como os de 80 % poliéster e 20 % algodão são ainda mais problemáticos. A mistura dificulta a reciclagem e impede a decomposição completa do material, pois a parte sintética bloqueia o processo natural de degradação da fibra vegetal (Morley, 2020). Assim, a escolha de materiais mistos afeta diretamente a forma como o resíduo têxtil se comporta no ambiente após o descarte.
Impactos ambientais ao longo do ciclo de vida
A composição da roupa define não apenas como ela se decompõe, mas também todo o seu impacto anterior, desde o cultivo até a confecção e o transporte.
Cada fibra tem uma “pegada ecológica” própria.
- Matéria-prima e cultivo
O algodão convencional, por exemplo, consome grandes quantidades de água e pesticidas. Segundo dados da Ellen MacArthur Foundation (2020), o cultivo do algodão utiliza cerca de 16 % dos inseticidas globais e é responsável por impactos em ecossistemas aquáticos e na saúde de agricultores.
Já o poliéster é produzido a partir do petróleo e tem alta pegada de carbono, sua fabricação emite até 30 % mais gases de efeito estufa do que o algodão (Morley, 2020). - Produção e acabamento
Processos como tingimento e lavagem industrial utilizam substâncias químicas perigosas e geram efluentes tóxicos. Quando não tratados corretamente, esses resíduos contaminam solos e rios. Fletcher (2014) enfatiza que o impacto mais destrutivo da moda não ocorre apenas nas passarelas ou nas lojas, mas nas etapas invisíveis da produção, especialmente onde há menor fiscalização ambiental. - Uso e manutenção
As roupas de fibras sintéticas duram mais e secam rapidamente, o que reduz o consumo de energia nas lavagens. No entanto, elas liberam microfibras plásticas a cada uso, o que anula parte desse benefício ambiental. O algodão, por sua vez, é mais respirável e confortável, o que reduz o suor e o odor, diminuindo a necessidade de lavagens frequentes. - Descarte e pós-consumo
Quando descartadas, as fibras naturais podem se decompor ou ser compostadas, mas as sintéticas se acumulam em aterros. Em locais sem oxigênio, até tecidos naturais demoram mais para degradar, liberando gases como metano. Já os tecidos mistos, muito comuns nas roupas modernas, têm destino quase sempre o aterro sanitário, pois são difíceis de separar e reciclar (Firth, 2021).
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A viabilidade econômica do algodão 100 %
É possível produzir roupas 100 % algodão com preços acessíveis?
Na prática, é um desafio. O algodão orgânico é mais caro, pois exige cultivo sem pesticidas, certificação e práticas regenerativas do solo. Isso encarece o produto final e reduz sua competitividade frente ao poliéster, que é mais barato e produzido em larga escala.
Firth (2021) aponta que o problema não é o custo do algodão, mas o modelo de negócios da moda rápida, que pressiona preços e ignora os custos ambientais e sociais. O verdadeiro valor de uma peça deveria incluir o impacto da água usada, da energia, das emissões e do descarte. Quando esses fatores são considerados, o preço do algodão torna-se mais justo e equilibrado.
Além disso, políticas públicas e incentivos fiscais poderiam ajudar a equalizar os custos entre tecidos naturais e sintéticos. Inovações em design e reaproveitamento de sobras têxteis também contribuem para reduzir o desperdício e melhorar a rentabilidade de fibras naturais.
Tecidos mais sustentáveis e saudáveis
O “melhor” tecido depende de critérios como impacto ambiental, conforto, durabilidade e reciclabilidade.
Entre as melhores opções estão:
- Algodão orgânico: cultivado sem agrotóxicos, biodegradável e confortável.
- Linho e cânhamo: fibras vegetais resistentes, que exigem pouca água e são facilmente degradáveis.
- Lyocell e Modal: fibras regeneradas de celulose com processos industriais menos poluentes.
- Tecidos reciclados: reduzem o uso de matéria-prima virgem e desviam resíduos dos aterros.
Para a pele humana, tecidos naturais são mais respiráveis, hipoalergênicos e absorvem melhor a umidade. O poliéster, por exemplo, tende a reter suor e odor. Fletcher (2014) explica que o contato contínuo com fibras sintéticas pode causar desconforto térmico e irritações em peles sensíveis, especialmente em climas quentes e úmidos.
O papel da indústria e do consumidor
A mudança depende de dois agentes principais: quem produz e quem consome.
A indústria têxtil pode:
- Redesenhar produtos para facilitar a reciclagem e desmontagem.
- Investir em inovação para separar fibras naturais e sintéticas.
- Adotar matérias-primas certificadas, como o algodão orgânico e o poliéster reciclado.
- Implementar logística reversa, recolhendo peças antigas e reaproveitando tecidos.
- Praticar transparência, divulgando o impacto ambiental de cada coleção.
Já o consumidor pode:
- Comprar menos e priorizar roupas de qualidade e durabilidade.
- Optar por tecidos naturais e recicláveis, lendo as etiquetas com atenção.
- Doar, trocar ou customizar roupas antes de descartá-las.
- Lavar as roupas de forma consciente, reduzindo o desperdício de água.
- Apoiar marcas comprometidas com práticas sustentáveis.
Firth (2021) resume bem essa lógica ao afirmar que “cada compra é um voto”. Escolher o que vestir é também escolher o tipo de mundo que queremos sustentar.
Conclusão
A composição de uma peça de roupa conta uma história sobre o planeta. Misturar fibras sintéticas e naturais pode baratear o produto, mas gera impactos duradouros no meio ambiente. Já os tecidos puros, especialmente os vegetais e orgânicos, retornam à terra de onde vieram, podendo inclusive participar de processos de compostagem.
Como destaca Fletcher (2014), é urgente repensar o modo como consumimos moda, reduzindo, reutilizando e respeitando os limites ecológicos. Firth (2021) reforça que a sustentabilidade não deve ser uma tendência, mas um compromisso ético. E Morley (2020) conclui que, embora a tecnologia possa ajudar, a mudança começa com cada escolha individual e coletiva.
Ao olhar uma etiqueta, olhamos para muito mais do que porcentagens: olhamos para o futuro do planeta.
A Autora Shaiane de Souza é formada em Ciências Ambientais, apaixonada por soluções criativas na Educação Ambiental e Voluntária da Realixo.
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Referências:
FIRTH, Livia. Loved Clothes Last: How the joy of rewearing and repairing your clothes can help save the world. London: Penguin, 2021.
FLETCHER, Kate. Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys. 2. ed. London: Routledge, 2014.
MORLEY, Nina. The Sustainable Fashion Handbook. New York: Thames & Hudson, 2020.
ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. A New Textiles Economy: Redesigning fashion’s future. London, 2020.
COTTON INCORPORATED. Biodegradation of Microfibers in Cotton Production. Carolina do Norte, 2021.
