Mulher de cabelos cacheados soltos mexendo em roupas que estão em uma arara de brechó.

Moda Sustentável: o impacto ambiental das roupas descartadas

“Para você, só mais uma roupinha; para o planeta, mais um resíduo de anos.” Essa frase resume um dilema do nosso guarda-roupa: decisões pequenas, uma compra por impulso, uma peça mal guardada, um conserto adiado, somadas causam um enorme impacto ambiental. A consciência ambiental também passa pela escolha das roupas que compramos e pela forma como consumimos moda. 

A peça que dura mais é quase sempre a compra mais confiável. E quando é feita em algodão (ou outro material mais facilmente degradável), esse benefício ambiental se amplia.

Dados recentes revelam a real dimensão do desperdício e seus impactos ambientais

O descarte têxtil é um problema global, e crescente. Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o mundo gera cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano, sendo que apenas uma pequena fração é efetivamente reciclada (UNEP, 2025). Ainda de acordo com a mesma fonte, apenas 8% das fibras utilizadas em 2023 tinham origem em reciclagem e menos de 1% advinha da chamada reciclagem “tecido-para-tecido” (UNEP, 2025).

Outro dado preocupante é que a cada segundo, o equivalente a um caminhão cheio de roupas é incinerado ou enterrado (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017). Isso significa que o modelo linear da moda , produzir, usar e descartar, ainda predomina em escala global. Além disso, a dependência crescente de fibras sintéticas alimenta a poluição por microfibras: segundo a Ellen MacArthur Foundation (2017), cerca de meio milhão de toneladas de microfibras acabam nos oceanos anualmente, com graves impactos nos ecossistemas marinhos.

Reflexões de quem estuda moda e sustentabilidade

A jornalista Elizabeth Cline (2012, p. 89) afirma: “You should buy things because they’re nice-looking, amazing, well made, and you want to wear them.” Essa citação traduz a importância de valorizar qualidade e durabilidade em vez de quantidade.

Já a pesquisadora Kate Fletcher (2008, p. 112) defende que precisamos reconsiderar a lógica de abundância barata: “O verdadeiro custo da moda está em escolher quantidade em vez de qualidade, o que compromete não apenas o meio ambiente, mas também o valor cultural da roupa.”

Essas reflexões reforçam que o consumo consciente não é apenas um modismo passageiro, mas sim um caminho concreto para reduzir os impactos da indústria da moda.

Exemplos práticos, o que cada pessoa pode fazer já:

Embora os números sejam preocupantes, existem soluções cotidianas acessíveis.

 Aqui vão algumas práticas:

  1. Compre menos, escolha melhor
    Prefira peças com bom acabamento, costura reforçada e fibras resistentes. Pergunte-se: “Vou usar essa roupa por pelo menos dois anos?” Se a resposta for não, talvez não valha a pena comprar.
  2. Priorize fibras naturais ou recicladas
    Tecidos como algodão e linho, quando cultivados de forma responsável, tendem a se degradar mais facilmente no meio ambiente. Além disso, crescem as opções de fibras recicladas disponíveis no mercado (UNEP, 2025).
  3. Conserte suas roupas
    Bainhas refeitas, botões recolocados e pequenos ajustes prolongam a vida útil da peça. O ato de consertar, além de econômico, é sustentável.
  4. Troque em vez de comprar
    Organizar trocas de roupas entre amigos ou participar de brechós comunitários reduz a necessidade de adquirir novas peças.
  5. Doe de forma responsável
    Muitas roupas doadas em mau estado acabam em aterros. Por isso, é importante doar apenas roupas limpas e em boas condições. Peças muito usadas podem ser reaproveitadas como panos ou enviadas a projetos de reciclagem têxtil.
  6. Reaproveite retalhos
    Restos de tecido podem virar artesanato, sacolas, ecobags e até enchimentos de almofadas.
  7. Adote o guarda-roupa cápsula
    Menos peças, mais combinações. Essa prática estimula criatividade e reduz o consumo impulsivo.
  8. Cobre transparência das marcas
    Consumidores podem pressionar as empresas por relatórios de sustentabilidade, certificações e programas de logística reversa.

O papel de ateliês e pequenas confecções

Nos ateliês, o impacto pode ser reduzido já no processo de produção. Estratégias simples fazem diferença:

  • Modelagem inteligente: planejar moldes de modo a gerar menos retalhos.
  • Diagramação otimizada de cortes: conhecida como nesting, permite reduzir perdas em até 15%.
  • Aproveitamento criativo de sobras: retalhos podem virar acessórios, brindes ou até novas peças de roupa.
  • Serviços de conserto e ajuste: oferecer esse atendimento amplia a vida útil das peças e fideliza clientes.

Essas ações conectam a costura criativa com a economia circular, unindo renda extra com redução de resíduos.

Junte-se às marcas que já estão transformando a moda! Ateliês e lojas de roupas e calçados que utilizam nossos serviços provam que a sustentabilidade começa nas pequenas mudanças do dia a dia. Faça parte dessa rede consciente e dê o próximo passo com a Realixo!

Caminhos políticos e empresariais

No cenário internacional, cresce a implementação de políticas de responsabilidade estendida do produtor (EPR) para têxteis. A União Europeia, por exemplo, avança com legislações que obrigam empresas a recolher e reciclar produtos ao final da vida útil. Como observa a Ellen MacArthur Foundation (2017), bilhões de dólares em valor são perdidos todos os anos porque roupas são descartadas em vez de circular novamente na economia.

Além disso, grandes marcas de moda vêm testando sistemas de logística reversa, coleções feitas com tecidos reciclados e programas de incentivo a doações. Ainda que sejam passos iniciais, já indicam um reconhecimento da urgência ambiental.

No Brasil, iniciativas como a do Movimento Sou de Algodão e de redes de cooperativas de costureiras também mostram que é possível aliar geração de renda, reaproveitamento de tecidos e conscientização ambiental. Isso reforça que sustentabilidade não é apenas responsabilidade de grandes indústrias, mas pode começar nos bairros, nas oficinas e nas escolas.

A moda e a responsabilidade coletiva

É importante destacar que a moda não deve ser vista apenas como consumo, mas como linguagem cultural e ferramenta de expressão. Quando escolhemos uma peça, comunicamos algo sobre nós. E se essa comunicação puder ser feita de forma ética e sustentável, damos um recado ainda mais poderoso: de que cuidar do planeta é também parte da nossa identidade.

Nesse sentido, Fletcher (2008) argumenta que a moda sustentável precisa “desenvolver novas narrativas para o vestir, que não dependam de quantidade, mas de vínculo emocional com a peça”. Ou seja, a roupa que mais respeita o meio ambiente é aquela que amamos, cuidamos e usamos por mais tempo.

A autora Shaiane de Souza é Cientista Ambiental e colaboradora de textos no blog da Realixo 

Referências

CLINE, Elizabeth L. Overdressed: The Shockingly High Cost of Cheap Fashion. New York: Portfolio / Penguin, 2012.

ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. A new textiles economy: Redesigning fashion’s future. London, 2017. Disponível em: https://emf.org.

FLETCHER, Kate. Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys. London: Earthscan, 2008.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). Unsustainable fashion and textiles in focus for International… Nairobi, 2025.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *